Monday, February 18, 2013

Mudança da guarda ou o doce dia da vitória inicial


Recentemente o mundo se deparou com uma situação inédita na Formula 1: no GP da Austrália, as duas equipes que tinham melhores chances de ganhar a corrida eram duas equipes que nunca haviam ganho um único GP, a estreante Brawn e a já veterana Red Bull. Pois uma situação análoga ocorreu em uma importante corrida brasileira.
Nesse caso, as 12 Horas de Porto de Alegre de 1968, os carros eram o veterano Fusca e o recém lançado Ford Corcel. E os quatro pilotos desses dois carros estavam entre os 5 melhores pilotos brasileiros da época.
O VW já era produzido no Brasil desde 1952, inicialmente em forma CKD. Seria mentira dizer que o Fusca nunca houvera ganho uma corrida no Brasil nos dezesseis anos anteriores - não foi esse o caso. Entretanto, o Fusca, dentre os carros nacionais normalmente usados em corridas, tinha sido o único a não alcançar vitória geral numa das diversas importantes provas de longa distância que compunham o calendário nacional de corridas. Os sedãs JK, o Simca, o DKW e até mesmo o Gordini, todos tinham importantes vitórias nos seus currículos. O Aero-Willys era tão infrequentemente usado em competições que não se encaixa nessa pequena enquete, e o DKW Fissore e o Ford Galáxie não havia sido usados em provas de velocidade. É verdade que um Fusca híbrido, com motor Porsche, quase mata os gaúchos e suas potentes carreteras do coração na primeira edição das Mil Milhas, mas não era um Fusca puro, era quase um protótipo. A situação era tão vexatória que a própria VW veiculou, nos anos 60, uma propaganda que justificava sua ausência das pistas, frisando que era o carro predileto dos pilotos.
Já o outro protagonista desta história, o Ford Corcel, começara a ser comercializado naquele ano, substituindo o Gordini. Não vou repetir a história do Corcel pela décima vez no blog, já fiz tantas vezes que me enrola o estômago quando começo a falar do assunto. Mas cabe mencionar que esta era a primeira grande prova do novo carro nas pistas brasileiras.
As 12 Horas já tinham sido realizadas 2 outras vezes nas ruas de Porto Alegre, com grande sucesso. Esta seria a última edição da prova em pistas de rua, de fato, a última corrida de rua do Rio Grande do Sul, pois estas tinham sido proibidas pelas autoridades. No ano de 1969 voltaram a ser realizadas algumas provas de estrada, e não fosse pela inauguração de Tarumã, em 1970, a capital sulina ficaria de fora do circuito de corridas para sempre.
O Fusca em questão tinha o número sete, e era pilotado pelos irmãos paulistas Emerson e Wilson Fittipaldi (Jr). Tinha motor 1600, uma nova configuração de motor que aos poucos ajudava o Fusca a ser competitivo até mesmo nas grandes corridas nacionais. Já o Ford Corcel, tinha o número quatro, era preparado por Greco, e era pilotado pelos também paulistas Bird Clemente e José Carlos Pace.

O excepcional Fusca dos Fitti
As 12 Horas só contavam com carros de turismo de produção nacional, e portanto, os bichos papões das corridas naquele ano, o Protótipo Bino, as Alfas GTA da Jolly e os BMW da CBE não estavam presentes. O começo foi normal, com os carros de maior cilindrada, Simca e JK, liderando a corrida com certa facilidade. Aldo Costa, com Simca, disparou na frente de Lauro Maurmann (FNM), Pedro Carneiro Pereira (FNM) e Juvenal Martini (Simca). As coisas não iam bem para o Fusca dos Fittipaldi, que bateu logo na saída e perdeu cinco voltas nos boxes.

O rápido Corcel de Pace e Bird
Na vigésima segunda volta, Jaime Silva, que disputava e prova com Ugo Galina, e que fizera a pole com um bem preparado FNM, alcançou a ponta, mas incrivelmente o Fusca número 7 conseguiu alcançar o FNM na vigésima quinta volta e o ultrapassou. As três duplas paulistas dominavam, mas os gaúchos Juvenal Martini, com Simca patrocinado pela “Festa da Uva”, e Pedro Carneiro Pereira, com seu FNM, também conseguiram liderar algumas voltas.
Entretanto, quando veio a chuva, a vantagem passou a ser dos carros de menor cilindrada, pilotados por duas duplas sensacionais, Bird/Pace, Emerson/Wilson. Por volta de 183a. volta era o Corcel que liderava desde a 145a., mas os Fittipaldi aumentam o train, por ordem do seu pai experiente Wilson, e passam o Ford. E assim termina a corrida, com os irmãos Fittipaldi na frente de Bird Clemente e Jose Carlos Pace, as duas duplas fazendo 193 voltas. Em terceiro, Jaime/Galina, seguidos de José Madrid/Antonio Madrid, com Simca, Ítalo Bertão/Rui Menegaz, com Simca, e Henrique Iwers/Jan Balder com DKW. Um outro Corcel chegou em sétimo, pilotado pelos lendários gaúchos Catharino e Vitório Anderata.

Acabara a Festa da Uva dos Simca. O mesmo Juvenal Martini ganhara em 1963, com um Simca. A obsolescência começava a bater à porta
O resultado teve lá suas polêmicas. Os Fittipaldi fizeram questão de abrir o motor do seu carro para provar que estavam dentro do regulamento, mas haja quem diga até hoje que o Corcel estava com uma volta na frente, quando foi ultrapassado na 183a. volta, portanto, os vencedores teriam sido Bird e Pace. Não era a primeira, nem a última vez que uma dúvida deste tipo era lançada sobre o resultado de uma prova importante.
De qualquer modo, esta prova foi um marco, indicando o final do reinado dos mais tradicionais DKW, Gordini, Simca e FNM, que daí por dia ficariam cada vez mais obsoletos em provas de turismo, o que só viria a piorar com a estréia do Opala em 1969. Também foi a comprovação de que o Fusca, mesmo como carro de turismo, era capaz de ganhar até mesmo as provas de maior gabarito do País. Para os Fittipaldi, que passaram o ano apanhando do seu rápido mas temperamental protótipo Fitti Porsche, a vitória foi um verdadeiro alívio. Para o Ford Corcel, um início de um futuro promissor que nunca veio. Para os muitos espectadores que resolveram atravessar a pista na corrida, uma má experiência: terminaram o evento em cana!

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