Tuesday, February 12, 2013

AS MIL MILHAS DE 1967


Por Carlos de Paula

A prova Mil Milhas de 1967 foi muito importante por uma série de razões, que a diferenciaram de todas outras edições:

Primeiro, foi a primeira corrida no Brasil, desde 1960, a contar com a participação de pilotos europeus, assim quebrando o gelo do isolamento do País em relação ao automobilismo do primeiro mundo. Quatro carros portugueses foram inscritos, dois Lótus Europa, um Porsche 911 e um Ford Cortina.

Segundo, foi a última corrida a ser realizada em Interlagos, até 1970, pois o autódromo seria fechado para obras. Assim, fechava-se um capítulo do velho autódromo, que nos idos de 1967 estava realmente caindo as pedaços. A nova edição da pista teria guard-rails modernos, boxes de gente grande, pista recapeada, além de arquibancadas para grande público.

Terceiro, foi a única vitória da grande equipe Willys na famosa corrida, com um fabuloso 1-2. É certo que a Willys pouca chance tivera de ganhar a prova anteriormente:  na realidade, só participou da edição de 1966.  Mas esta vitória veio a abrilhantar o currículo da grande escuderia.

Quarto, o recorde de Interlagos, que datava de 1957, foi quebrado, e ainda por cima com um carro produzido no Brasil. O Fitti-Porsche tinha chassis desenhado e produzido no Brasil, com motor Porsche alemão. Wilson Fittipaldi Junior quebrou o recorde nos treinos, obtendo a marca de 3m32s 4/10 (o recorde antigo, de Ciro Cayres, era de 3m37s), e depois seu irmão Emerson melhorou a marca, 3m31s 8/10.
 
Um estudo de contrastes: o anacrônico e o moderno, o passado e o futuro do automobilismo brasileiro. Nesse caso, uma vitória relativa do passado: a carretera de Marsilio chegou em 7o., o Fitti-Porsche de Emerson dominou, mas abandonou. No confronto da resistência, ganhou o passado.
Quinto, foi a última Mil Milhas em que uma carretera teve chances reais de vitória. As carreteras haviam ganho todas outras edições, exceto uma, a de 1960, ganha por um FNM. Nessa corrida, a carretera de Camilo Christofaro/Eduardo Celidônio, que havia ganho a edição de 1966, largaria em 2° lugar. As outras carreteras na prova, de Nelson Marcilio/Zé Peixinho/Donato Malzoni, Aires Bueno Vidal/Chuvisco e Salvador Cianciaruso/Domingos Papaleo não demonstravam nenhuma condição de batalhar pela vitória. Marcílio ainda inscreveria sua carretera na edição de 1970, assim como Antonio Versa/Alfredo Santili, mas naquela altura as carreteras haviam perdido completamente a competitividade.

Todas as grandes equipes e a maioria dos bons pilotos da época participaram. Além dos Fittipaldi, com seu protótipo, a Equipe Palma de Portugal inscreveu um Lotus  para Manuel Nogueira Pinto/D’Andrade Vilar, outro para Carlos Santos/Luis Fernandes e um Ford Cortina para Antonio Peixinho/Augusto Palma. Os portugueses haviam trazido um Porsche 911, que seria alugado para Anísio Campos/Jose Carlos Pace, mas na hora “H”, as partes envolvidas tiveram um desacordo, e Nogueira Pinto resolveu não alugar o carro, usando-o na prova. Por sua vez, Anísio/Pace correram com um dos ex-Karmann Ghia Porsche da Dacon.
 
A horripilante carretera de Aires Bueno Vidal e o Malzoni de Casari se estranham
Curiosamente, as Alfa Romeo que sempre tinham bom desempenho em corridas longas, tiveram um pífio resultado nas Mil Milhas de 1967. Oito carros da marca largaram, sendo quatro FNMs “made in Brazil”, e quatro Alfas italianas. Somente um dos exemplares da fábrica chegou, em 16°lugar. A Jolly inscreveu a GTA 23 para Zambello/Ubaldo Lolli, a Zagato para Totó Porto/Cacaio e uma Giulia TI para Lameirão/Valdemir Costa. Lolli impôs um ritmo forte no começo da prova, seguindo o Fitti-Porsche, e depois liderando, mas acabou com o platô quebrado, mesmo destino da Zagato. Já a Giulia TI teve o distribuidor quebrado. Jaime Silva fez dupla com Ugo Galina em um FNM, andou na frente até da Giulia,  mas também quebrou.

Alguns carros com motorização DKW participaram, entre os quais a carretera Mickey Mouse, que chegou em 5° lugar pilotada pelo Volante 13 e Roberto dal Pont. Norman Casari e Celso Gerbassi correram com um Malzoni, carro que quase ganhara a edição anterior da prova, e abandonaram.

Entre os inscritos, a última participação de Simcas nesta prova, tendo o melhor exemplar chegado em 11° lugar (Zoroastro Avon/Freddy O’Hora). Ângelo Gonçalves  inscreveu um dos seus Karmann Ghia-Corvair, que chegou em 15° com Carlos Alberto Sgarbi e Jan Balder. Além do KG da Dacon, que não durou mais de uma hora, foi inscrito um KG-Porsche para Sergio Cardoso e Ailton Varanda, do Rio de Janeiro, que marcou o 5° tempo nos treinos. Entre os carros de baixa cilindrada, diversos Renault participaram, incluindo Berlinettas, R-8, Rabo Quente e 1093. O carro melhor colocado da marca chegou em 9° lugar, com Pedro Oliver/Fausto Dabbur. Três VW foram inscritos, inclusive um protótipo construído por Ricardo Achcar, baseado em chassis de Fórmula Vê e construído em 20 dias. Nada tinha da beleza do Polar construído pelo carioca na década de 70 . Um dos VW, o carro número 87 de Fritz Jordan, fez uma corrida excepcionalmente regular, apesar de não ser muito veloz, e chegou em 6° lugar com Nathaniel Towsend e Fritz Jordan. Por fim, uma Fiat Abarth, tocada por Silvio Toledo Piza e Renato Lenci, que abandonou a prova.

A corrida foi da Willys. Com Luis Antonio Greco nos boxes, os dois carros, pilotados pelas duplas Luis Pereira Bueno/Luis Fernando Terra Smith e Bird Clemente/Marivaldo Fernandes, dominaram a corrida após os carros mais velozes apresentarem defeitos na parte inicial da corrida. Sem dúvida, no quesito velocidade o protótipo Fitti-Porsche era inalcançável: aliava leveza, aerodinâmica, motor potente e dois excelentes pilotos. Infelizmente, na sua história o Fitti-Porsche também demonstrou ser frágil. A GTA de Lolli impôs ritmo forte no inicio da corrida, e logo apresentou problemas. Os portugueses, no Porsche, não ameaçaram no início, apesar do óbvio potencial, optando por uma corrida de espera, que pagou dividendos no final. Camilo e sua carretera tiveram boa performance no inicio da corrida, mas eventualmente a embreagem cedeu. O Mark I n° 21 rodou como relógio, embora o n° 22, de Bird/Marivaldo, tenha parado quase 19 minutos nos boxes, sendo ameaçados por Nogueira Pinto/D’Andrade Villar.  A carretera Ford de Marsílio/Zé Peixinho e Donato Malzoni conseguiu fazer 165 voltas, chegando em 7° lugar. A última “conquista” das carreteras na grande prova do automobilismo brasileiro.  
 
Equipe Willys: triunfo merecido na grande prova do automobilismo brasileiro.
Grande público, grande renda, grandes prêmios e grande prova.

Depois disso, Interlagos hibernou.

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