Por Carlos de Paula
Para o aficcionado de automobilismo atual é quase impossível imaginar que nos anos 60 carros esporte chegaram a ameaçar a hegemonia de todas as outras categorias do automobilismo, inclusive a F-1. Isso, em ambos os lados do mundo. Na Europa, era fácil ver por que Ferraris de 3 litros ou mais pareciam mais interessantes do que a Fórmula 1 de parcos 1,5 litro. E com a chegada da Ford, em 1964, o interesse se voltou quase todo às épicas batalhas entre italianos e americanos (Ferrari x Ford). A estes juntaram-se, no curso de poucos anos, Chaparral, Mirage, Alfa-Romeo, Howmet, Matra, Lola-Aston Martin e Chevrolet, além das sempre presentes Porsches, e carros de baixa cilindrada, como Chevron, etc.
Do outro lado do Atlântico, existia uma raquítica Nascar, com calendário repleto de corridas em pequenas pistas de terra, e um esquizofrênico campeonato de Fórmula Indy, que incluía diversos tipos de carros, para pistas de asfalto, subida de montanha e terra. E surgiu o Grupo 7, com um regulamento liberal, sem limite de cilindrada e potência. Era a série Can-Am, que apesar da hegemonia da McLaren, entre 1967 a 1971, atraía estrelas européias, visto que os prêmios eram bem polpudos para os padrões da época (era conhecida como a milionária série Can-Am), muito divulgada nas revistas especializadas brasileiras.
Tarumã, 1971 - a frente, dois Porsches da Hollywood. Mais atras, o Furia, e uma serie de prototipos brasileiros inclusive o Camber n 17, Alfas GTA, Pumas, Opala e Fusca. Logo os Porsche seriam proibidos de correr no Brasil.
Assim que não é difícil entender por que no imaginário do aficionado brasileiro, os carros esporte e protótipos estavam mais presentes do que monopostos, numa era em que não existia transmissões de F-1. A partir de 1969, começaram a entrar diversos carros de bom pedigrê no Brasil: a Alfa P33 da Jolly, pelo menos duas Lola T70, uma Lola T210, um Ford GT-40, diversos Porsche, inclusive o famoso 908/2 daEquipe Hollywood, um Royale, até mesmo simpáticos Mini-Coopers! Tais carros dominaram as corridas no Brasil de 1969 a 1972, esporadicamente perdendo para os sedãs Alfa GTA e GTAM ou BMW, ou então um Fúria ou Protótipo Bino em tarde inspirada.
Foi também em 1969 que começou a fabricação mais frequente de protótipos brasileiros, numa extensão logica dos hibridos dos anos 50 e 60, seguindo o pioneirismo do Simca Tempestade, dos Fittipaldi (sempre eles, com o Fitti-Porsche de 1967) e dos protótipos Bino da Willys. Geralmente equipados com mecânica VW, alguns tinham motores mais exóticos, como Corvair e Chevrolet Corvette. O AC foi lançado em 1969, por Anísio Campos, e teve, entre outros pilotos, Chiquinho Lameirão e Wilsinho Fittipaldi. O Fúria foi lançado em 1970, com mecânica FNM, e depois usou motorização Opala, BMW, Ferrari e Chrysler. O protótipo Snob’s, de Eduardo Celidônio, tinha mecânica Corvair. Além dos excêntricos protótipos de Bica Votnamis, com motor Corvette(veja foto a seguir). Sem contar os Patinhos-Feios, feitos em Brasília, e até um esquisito protótipo com carroceria de gesso, que correu nos 1000 km de Brasilia de 1969, e aparentemente desmanchou na pista.
Fitti-Porsche em ação
Protótipo Bino: Grande vencedor
Caçador de Estrelas de Bica Votnamis: carretera, mecânica continental, protótipo, avião, ou o que? Motor V8
Protótipo Casari cm motor Ford
Protótipo Camber, de Alex Dias Ribeiro
Dois AC-VW com Wilson Fittipaldi Jr. e Fritz Jordan
Camilo Cristofaro abrilhantou o campeonato de 73, com seu Furia Chrysler
Pode-se argumentar que o campeonato de Divisão 4 de 1973 foi um clássico. Teve oito corridas, uma raridade para a época, e pelo menos na Classe B (carros de grande cilindrada) foi bastante disputado. Diversas feras da época correram nele: Antonio Carlos Avallone, Chico Lameirão, Pedro Victor de Lamare, Nilson Clemente, Jan Balder. Os emergentes Pedro Muffato(prefeito de Cascavel, Paraná) e Arthur Bragantini. Um desconhecido mineiro, Luis Carlos Pinto da Fonseca. E um mito: Camillo Christófaro correu algumas vezes em São Paulo. Embora não houvesse muita variedade de marcas, pelo menos o Avallone tinha três motorizações diferentes: Chrysler (que ganhou mais corridas), Ford e Chevrolet. Com o Fúria-Chrysler de Camilo ajudava a fazer a diversidade da festa. Durante o ano, Bragantini espatifou o seu Avallone, enquanto liderava o campeonato, e não teve jeito - teve de usar a tal brecha na lei brasileira: enfiou um motor Maverick no Ford-GT40, que assim, se tornou um Divisão 4! Na Classe A, Maurício Chulam foi um grande dominador, com seu Heve, mas Sergio Benoni Sandri, ilustre desconhecido do Paraná, ganhou duas corridas e Newton Pereira, uma. Pelo menos surgiu um concorrente para o Heve: o Polar, primeiro carro brasileiro com chassis monocoque e ainda por cima, motor Ford turbo! Havia mais diversidade de marcas na classe A: Manta (do Paraná), AC, alguns protótipos VW de origem desconhecida, além de um estranho protótipo bi-motor (DKW e VW!!!), Made in Cascavel.
O Avallone Chrysler com o qual Antonio Carlos Avallone ganhou o certame de Divisão 4 em 1973, em Interlagos
Jan Balder também correu com o Avallone de "fábrica"
Os grids não eram cheios, mas à primeira vista, parecia que a Divisão 4 se impora como a principal categoria do automobilismo brasileiro. Tinha os carros mais potentes, que chegavam próximos de rodar em Interlagos em menos de 3 minutos. Bons patrocinadores, pilotos - o futuro parecia áureo. E supostamente, logo voltariam os outros carros que tinham sido aposentados pela lei: na Cascavel de Ouro(extra campeonato), por exemplo, a equipe Motoradio estreou uma Alfa T33, ex Jolly, com motor Maverick, pilotada por Angi Munhoz (chegou em 2°).
Daí veio 1974. Em outros artigos, mencionamos que o ano não foi fácil para o automobilismo brasileiro e mundial. O primeiro choque do petróleo, causado pela guerra de outubro de 1973, no Oriente Médio, tornou a idéia de competir com carros algo completamente politicamente incorreto (numa época em que nem existia o termo) – como se os carros de corrida estivessem consumindo todo o petróleo do mundo, e no caso do Brasil, causassem os desequilíbrios do balanço de pagamentos! A crise chegou com tudo no Brasil, e os calendários simplesmente não foram cumpridos. No final, a Divisão 4 teve só três provas em 1974. A de Goiânia, na inauguração do autódromo, ganha por Antonio Castro Prado, na B, e Marcos Troncon, com um Royale-Chevrolet na A. Antonio Carlos Avallone, campeão no ano anterior, aprontou uma das suas. Tinha cismado de fazer um F-5000 brasileiro, ou seja, monoposto, anunciado com fanfarra na revista Auto-Esporte. Como ninguém se interessasse pela categoria, resolveu colocar alguns para-lamas em cima das rodas, e chamou o carro de Divisão 4!(Curiosamente, mais tarde fez-se a mesma coisa com a segunda versão da série Can-Am nos EUA: carros de F-5000 com paralamas e/ou carenagem – copiaram o Avallone!). Chegou em 2° em Goiânia. As duas últimas etapas foram corridas em Cascavel, sem dúvida com uma ajudinha do prefeito Muffato. E foi ele mesmo que acabou levando o caneco na B, e Chulam na A.
Heve VW de Mauricio Chulam: bicho-papao da Divisao 4, tetracampeao 72-73-74-75, Classe A
Berta Hollywood - sensação de 1975, com Luis Pereira Bueno
Havia esperanças de que as coisas melhorariam em 1975, pois a Caixa Econômica Federal resolveu patrocinar os certames de Divisão 3 e 4. A Divisão 4 correria nos mesmos dias da Super-Vê, tendo um calendário confirmado de 6 provas, e a Divisão 3 se enquadaria no calendário da F-Ford. E havia novidade no ar. A Hollywood conseguiu mandar fazer um protótipo na Argentina, preparado por Orestes Berta, que poderia correr no Brasil contanto que fosse equipado com motor brasileiro. E era equipado com o motor do Maverick.
Série de artigos informativos
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